sábado, 22 de janeiro de 2011

α mεnınα solıdαo




























Percorro o corredor vazio e estreito devagar, pois ainda é cedo. Vou olhando pelas janelas das salas, discretamente.



Há miúdos de todo o tipo: miúdos barulhentos, miúdos sossegados, miúdos insuportáveis...



Toca a campainha. Estou parada, encostada à parede do corredor, imóvel.



As crianças começam a sair das respectivas salas correr, atropelando-se, uns por cima dos outros e aos berros.



A campainha cala-se. Dez minutos para começar a minha aula.



Os miúdos brincam uns com os outros, falam alto, atiram-se para o chão e fazem de Super-Homem e Homem-Aranha.



Longe de tudo e todos, permaneço ansiosa pelo toque de entrada, para sair do meio da confusão de pequenos “terroristas” e de “putos” indisciplanos.



De repente dou comigo a virar o olhar para o outro lado do corredor, deparando-me com ela. Fulmina-me com o olhar, não sei bem há quanto tempo. O seu olhar fulmina-me, deixando-me incomodada, desconfortável. Transmite uma mistura de ódio, solidão e tristeza com esperança, confiança e proximidade.



Dá o toque de entrada. Por segundos desejei que demorasse mais um pouco. Começo a caminhar, devagar, percorrendo a porção restante de corredor que me leva até à minha sala.



Aquele olhar aterrador persegue-me, fitando a minha figura rastejante. Hesito ao passar por ela. Limita-se a lançar-me o seu olhar furioso e inseguro sobre mim e encolhe-se um pouco, abraçada aos joelhos. Aquele gesto fez-me parar à sua frente, esforço-me para não a fixar muito e tento fazer um olhar doce e não muito óbvio, Viro-me de frente para a criança, coloco-me de cócoras e sorrio. Não me parece que tenha surtido algum dos efeitos desejados.



Olha-me com frieza e ternura. Mostra-se na defensiva, apesar de o seu corpo frágil se manter encolhido e trémulo.



Estendo-lhe a minha mão.



- O que tens, pequenina? – move-se mais para trás, permanece calada e desvia o olhar. Recolho a minha mão. – Não vais para a aula? – indago com meiguice. Abana a cabeça, respondendo negativamente.



- Deixa-a. Ela não vai falar. – Oiço uma voz vinda por detrás do meu ombro. – Só estás a perder o teu tempo. – Continua. Viro-me para trás, levantando-me, desiquilibrando-me um pouco. Um miudinho de metro e meio, com ar despreocupado, sorri com desdém.



- Porque não fala? Quem é ela? – questiono, voltando a assentar os pés no chão com firmeza.



- Porquê? Ninguém sabe. Chama-se Solidão e aconselho-te a manteres-te longe dela...

2 comentários:

  1. Criança "doce" mas de olhar ameaçador, fechada sobre os joelhos, calada, triste(?)... acho que conseguiste desfiar algumas contas do rosário de problemas que afectam todo aquele que, no meio da multidão, está cercado de barreiras - tantas vezes construídas por si mesmo - que fecham ao diálogo, à partilha, enfim, resumindo, à esperança, à vida!
    E é muita sorte quando alguém, apesar do "risco", consegue estender a mão! É porque há quem não desista que, ainda, há esperança!
    Beijinhos e parabéns por esta "história" da vida real!

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  2. Olá
    Gosto muito dos teus textos, a maneira como escreves, como pensas, tudo,... Adorei
    Vejo-te quase todos os dias, num dos locais mais bonitos da cidade.
    Será que te posso conhecer?
    Bjs

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