quarta-feira, 2 de junho de 2010

αpαrıçαo



Estou sentada no autocarro. Tanta gente à minha volta. Há um burburinho incomodativo que vem lá de trás, espalhando-se pelo autocarro inteiro. Estou sentada no banco atrás do motorista, o que impede a possibilidade de ir acompanhada, de qualquer forma.
Olho pela janela. Estamos a passar o rio… A minha passagem favorita… Oiço uma voz a chamar por mim… “Keisha… Keisha…” Conheço a tua voz… O teu cheiro… Sabia o que ia ver se olhasse à minha volta…
E então vi-te. Apareceste no meio do rio, como um sonho tornado realidade…
Lá estavas tu… Estendeste-me a mão e olhaste para dentro de mim… Os teus olhos brilhavam como o reflexo do Sol no rio Douro…
Veste branca, asas transparentes, pele pálida… Lágrimas escorrem dos meus olhos como se eu fosse um jarro de água partido naquele momento…
Tentei agarrar a tua mão… Mas acabei por bater com ela no vidro da janela… E tu desapareceste… Com os teus olhos luminosos, as tuas asas de anjo, as tuas vestes brancas, a tua pele pálida como o gelo… As tuas mãos estendidas, a chamar por mim…
Mas vi-te… Como nunca te tinha visto… Agora posso guardar esta mais recente memória comigo… No meu coração… Na minha mente… Na minha última recordação, estavas deitado numa cama branca, olhos fechados, pensei que para sempre… Também de veste branca… Mas não estavas de mãos estendidas para mim, nem tinhas as tuas belas asas transparentes… Tinhas apenas flores por toda a cama, percorrendo o teu corpo… As únicas coisas coloridas, naquele dia eram as flores… Nem a tua pele estava da cor do costume… Estava branca… Gelada… Luminosa…
E digo, de sorriso e lágrimas na cara, obrigada pelo momento… Obrigada por teres vindo visitar-me como desejei desde que partiste para o outro mundo… O mundo onde hoje pertences…
E agora te peço, do fundo do coração, que esperes por mim aí… Que aguardes o meu momento… Tu e todos que ainda permanecem junto a ti… E peço-lhes a eles que me venham visitar como tu o fizeste… Para que os possa recordar com alegria… Sem ser na temida cama branca… Onde tudo à volta é branco, transparente, luminoso… E apenas as flores se destacam…

1 comentário:

  1. Uma ternura, este texto sentido: é bom preservarem-se as memórias daqueles que, tão queridos, nos foram prematuramente "roubados"!´
    Que essas memórias, vivas, possam encher de vidas aqueles que permanecem!
    Beijinho

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